Momentos simbólicos não voltam

Sei que o Judiciário não é representante do povo, seus membros são escolhidos por concurso ou indicação do Executivo com validação do Legislativo. Sei também que representam o Estado de Direito, a garantia do cumprimento igualitário das leis por todos. Sei principalmente, que o Sr. Celso de Mello estava em sua prerrogativa legal ao escolher em seu voto, a aceitação dos embargos infringentes. Mas, também sei que a História, com H maiúsculo, também é feita por momentos simbólicos e a não aceitação desses embargos e o cumprimento imediato da sentença dada aos condenados do mensalão era um momento simbólico ao país, que foi perdido.

Apesar do Judiciário não “dever explicações” ao povo, vivemos em uma democracia, em que é o povo o responsável em escolher os rumos da administração pública e da legislação que o Judiciário deve fiscalizar e jurisdicionar. Se ele, o povo, em algum momento perde sua fé no Judiciário, está dado o primeiro passo para a aceitação de soluções mais autocráticas. E o brasileiro, na minha opinião, adora flertar com o autoritarismo. Temos a “romântica” admiração pelas pessoas “fortes”, que mandam prender e bater. “Ele tem o pulso forte”, diziam os mais velhos.

Minha decepção foi pelo entendimento de que o devido processo legal é algo inesgotável e que se há dinheiro à disposição de um réu, a protelação pode ser feita indefinidamente. Devido processo legal, em minha opinião, é dar todas as condições de defesa, levando em conta a inocência presumida e o rito necessário, inclusive do tempo. Rito este, novamente em minha opinião, foi devidamente cumprido nestes 8 anos de processo.

Meu medo, acima de qualquer outro, é a banalização do Estado Democrático de Direito, quando o “Direito” não é mais reconhecido pelo “Democrático”. Espero, de verdade, que estejamos realmente mais evoluídos em nossas instituições, como adoram pregar pelos jornais os intelectuais nacionais, porque sei que a história costuma se repetir quando não é relembrada (ou quando não tem o que ser lembrado). Momentos simbólicos não voltam.

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Recount

Assisti na HBO a um excelente filme a respeito das eleições de 2000, “Recount”, com Kevin Spacey. Mostra como o imbroglio da Florida foi determinante para a eleição de Bush e como a atuação dos responsáveis pelas eleições no estado, em especial Katherine Harris (na época Secretária de Estado da Florida), foi tendenciosa, privilegiando os Republicanos. Mostra também a briga de bastidores entre Democratas e Republicanos, interpretando a lei eleitoral da Flórida de acordo com os seus interesses.

O fato é que realmente houve fraude, já que a secretária Harris impediu que 20.000 votos fossem computados. 20.000 cidadãos foram impedidos de votar por conta de uma resolução assinada pela secretária incluindo os homônimos e nomes parecidos a presos condenados na lista negra dos impedidos de votar no Estado da Flórida (por exemplo, John Francis Doe seria impedido de votar se houvesse um preso condenado no Estado chamado John Steve Doe). Bush levou os 25 votos do Estado no Colégio Eleitoral por meros 156 votos populares.

Al Gore foi “obrigado” a “renunciar” ao posto a que foi democraticamente eleito e aceitar a “vitória” de Bush para evitar um cisma no país, já que há menos de 30 dias da posse ainda não havia um presidente eleito (a Suprema Corte reconheceu a vitória de Bush em um parecer que vale apenas para o caso Gore vs Bush, ou seja, não pode ser usado como precedente caso ocorra algo parecido novamente).

Isso mostra que não existe sistema livre de fraudes, elas podem acontecer até na maior democracia do mundo. A questão é o quão madura é a democracia e o quanto são preparados os eleitores na hora de escolherem os seus votos. Nos EUA, todas as pessoas habilidadas para votar podem exercer o seu direito (é preciso se registrar antes de cada votação), mesmo os impedidos de votar da Flórida deixaram claro para o mundo a sua vontade (a de que Bush não era o presidente de direito durante o seu primeiro mandato).

Aqui no Brasil, com a urna eletrônica, seria extremamente difícil que ocorresse um caso similar ao da Flórida, mas não impede que haja fraude em nossas eleições. Elas ocorrem pelo voto de cabresto (o eleitor é obrigado a votar em algum candidato) ou pela “venda” do voto (o eleitor recebe algum benefício de algum candidato em troca do voto). Isso demonstra ainda uma certa imaturidade da nossa democracia.

Acredito que a reforma política deve ser feita no Congresso Nacional, mas sou contra o término da reeleição. Ela existe há 10 anos e não é um sinal de maturidade política ficar trocando de sistema de tempos em tempos. A democracia se constrói pela rotina. O que sou a favor é do fim do voto obrigatório. Nosso sistema de títulos de eleitores sem data de validade é excelente (evita que os menos informados deixem de votar pela falta de recadastramento), mas a obrigatoriedade do comparecimento às urnas é algo que, para mim, vai contra à filosofia democrática. Escolher não comparecer é tão válido quanto escolher votar em algum candidato ou anular o voto.

Basta saber se nossos representantes no Congresso pensam da mesma maneira ou se para eles o “jogo” político não passa mesmo de uma “brincadeira”. Será um retrocesso se não for mantido pontos importantes como reeleição e fidelidade partidária e se perdermos a oportunidade de validar o voto facultativo universal.

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